DEPOIMENTO
DE MANOEL CONCEIÇÃO SANTOS NA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA FEDERAL EM 16 DE MAIO DE 2012.
Senhor Presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara Federal, Dep. Domingos Dutra;
Senhora Coordenadora da Comissão Parlamentar
Memória, Verdade e Justiça, Deputada Luiza Erondina;
Secretaria Nacional dos Direitos Humanos da
Presidência da República;
Senhores e Senhoras integrantes da Comissão da
Verdade
Demais Senhores e Senhoras componentes deste
Legislativo Federal;
Organizações da Sociedade Civil, lideranças e
militantes da Classe Trabalhadora do Brasil e do Mundo,
Quero antecipadamente agradecer
com muito amor e muito carinho a atenção de todos e todas Vocês.
Eu sou Manoel Conceição Santos,
Negro, Lavrador, não escolarizado, brasileiro e natural do estado do Maranhão,
nascido no povoado Pedra Grande, município de Pirapemas, e, agora em 24 de
julho de 2012 completarei 78 anos.
Naturalmente, cada um de nós tem
uma história; história real que prosseguimos escrevendo nas páginas do livro da
nossa vida enquanto conseguimos ir sobrevivendo. Mas além desta história real,
que é praticamente impossível de ser descrita em sua totalidade, existem as
histórias formalizadas e informais, que são as formas que pessoas e
instituições nos vêem ou tentam nos qualificar.
Primeiramente, eu gostaria de
esclarecer que, em muitos aspectos, minha história é praticamente impossível de
ser compreendida como uma história individual, pois a mesma guarda diversos
pontos comuns com a história de muitos de meus companheiros e de minhas
companheiras, que assim como eu, colocaram suas vidas a serviço de causas
coletivas de uma classe, a classe trabalhadora, da qual somos parte. Assim,
minha história é individual e ao mesmo tempo coletiva. Certamente mais coletiva
que individual.
Nesta oportunidade que a Câmara
dos Deputados concede a minha pessoa, através da Comissão dos Direitos Humanos
e Minorias, quero falar em nome também de muitos dos meus companheiros e de
minhas companheiras que o Estado Brasileiro sob o Regime da Ditadura Militar e
seus agentes decidiram, deliberada e sistematicamente, calar suas vozes e
exterminar suas vidas. Dos que foram mortos e desaparecidos por ordem do Estado
sob governo militar quero fazer menção, pelo menos a alguns que tive a
felicidade e a honra de ter convivido: Rui Frazão, um grande, decente e
solidário companheiro educador da AP (Ação Popular), dado como desaparecido; o
companheiro Jair Ferreira de Sá, o Paulo Stwit Wright e José da Mata Machado, o
Fernando Santa Cruz, que eram os principais dirigentes da Ação Popular-AP.
Estes eram considerados os mais perigosos pelo regime militar. Das lideranças
do campo, quero destacar Joaquim Matias Neto (Joaquim Lavanca), agricultor,
liderança camponesa que foi preso e brutalmente torturado, morrendo
prematuramente em consequência das torturas sofrida; também o companheiro José
Lavanca, do mesmo modo preso e torturado, vindo a óbito em consequência das
torturas. Esse companheiro era o esposo da companheira Lurdes que ainda está
viva, morando no município de Barra do Corda no Maranhão. Além desses mortos
e/ou desaparecidos, quero destacar alguns companheiros e companheiras que foram
honrados, firmes, leais e muito importantes para organização das lutas
camponesas no Maranhão. Destaco o nome do companheiro Antonio Lisboa Brito
agricultor e ferreiro que foi meu companheiro de diretoria do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Pindaré Mirim. Foi muito perseguido pela ditadura,
tendo que abandonar a família com esposa e filhos pequenos (crianças), vivendo
o tempo todo escondido até o final do governo militar. Teve portanto, sua vida
totalmente destroçada pelo ditadura militar. Também o companheiro Jodinha da
nossa diretoria sindical, que da mesma forma que o Antonio Lisboa foi
perseguido e teve que sobreviver na clandestinidade. Estes dois companheiros
ainda estão vivos. Jodinha mora atualmente no estado do Pará e o Antonio Lisboa
mora em Teresina no Piauí.
Quero primeiramente deixar claro,
que em comparação a muitos companheiros e muitas companheiras, dentre os quais,
os que citei, me considero muito sortudo, pois apesar das muitas perseguições,
privações, difamações, torturas e mutilações a mim impostas pelo Estado
Brasileiro sob regime militar e seus agentes e aliados, escapei com vida e
tenho podido até o momento continuar fazendo o que meus companheiros e minhas
companheiras foram impedidos e impedidas de fazer, pois foram mortos e
desaparecidos por ordem e ação do governo militar. E o que tenho feito e que
queriam fazer meus companheiros e minhas companheiras que foram eliminados e
eliminadas pelo Estado Brasileiro sob o regime militar? Lutávamos, e eu
continuo lutando, por justiça social, por um efetivo direito à uma vida digna
para quem trabalha e/ou quer trabalhar, por direito de se expressar, se
organizar em sindicato, associação, cooperativa, partido político e outras
formas de organizações sociais. Enfim, lutamos por efetiva democracia na
política, no conhecimento, na saúde de boa qualidade, na ciência, na
tecnologia, na terra, na cultura, na economia, na comunicação. Infelizmente em
nosso país de economia capitalista ainda em estágio selvagem, onde em muitos
estados federados ainda impera o poder de oligarquias e a lei da pistolagem,
como é o caso do Maranhão, lutar por justiça e direitos sociais, mesmos os
direitos mais elementares e essenciais, é missão extremamente perigosa e
custosa, o custo quase sempre é cobrado em sangue e em vidas dos que ousam
desafiar a dominação do capital e seus asseclas.
Eu tenho ousado desafiar esse
poder, mas tenho sido severamente punido com perseguições, ameaças, prisões,
difamações, torturas físicas e psicológicas, e por fim, fui expulso do meu país
e obrigado a viver exilado como estrangeiro em outro país. Dessa forma, o
relato que trago hoje aqui nesta casa legislativa não é novo, já o fiz com a
mesma responsabilidade em diversos outros momentos em que tive oportunidade.
Entretanto, devo ressaltar que a grande novidade é o lugar em que este relato
está agora sendo feito. Creio está falando diretamente em um dos ouvidos desse
ente gigante que chamamos de Estado. Espero que deste modo possa finalmente ser
escutado e levado a sério.
Bem, ainda em 1957 eu tive o
contato direto com a fúria dos latifundiários/grileiros contra camponeses
pobres do estado do Maranhão. Após ter sido expulso com minha família, das
terras herdadas de meus avós, do povoado Pirapemas, município de Coroatá, fomos
tentar morar em outra localidade chamada Santa Luzia, que pertencia ao
município de Bacabal. Lá as terras eram consideradas devolutas e já havia
outras famílias agricultoras ali residindo há mais de duas décadas. Na verdade
lá também não estávamos livres da perseguição e violência dos
latifundiários/grileiros. As ameaças e ordens para desocuparmos a terra eram
cada vez maiores. Certo dia estávamos reunidos no povoado Copaíba dos Mesquitas
para discutir as ameaças sofridas pela comunidade, quando fomos surpreendidos
por um grupo de jagunços sob comando do latifundiário/grileiro de nome Manacé
Alves de Castro, que era filho de Raimundo Alves de Castro o delegado de
polícia do município. Naquele dia vivi uma das experiências mais marcantes e
traumáticas de minha vida. Vi ali o quão cruel era o poder dos latifundiários,
presenciei a morte a sangue frio de cinco camponeses, dentre os quais uma
velhinha e uma criança de no máximo três anos de idade. Eu escapei por pouco ferido
na perna esquerda. Foi exatamente nesse dia que fiz um juramento prá Deus, sob
testemunho daquela comunidade, que enquanto vida tivesse me dedicaria à luta em
prol do direito à terra para nós camponeses. Já relatei com mais detalhes
este episódio em outros documentos.
Após sofrer esta violência voltei
para Pirapemas disposto a lutar por nossa terra que havia sido tomada pela
latifundiária de nome Margarida Soares, que era mais conhecida na localidade
como Dona Guida. Lá, juntamente com umas 180 famílias, fundamos uma associação
para lutar pela terra e organizar a produção. Fomos denunciados como
saqueadores e subversivos pela dita latifundiária. Intimado a depor, nosso
presidente da associação, o companheiro Antonio Vicente foi a São Luis. Prestou
depoimento na Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão e voltou
com a incumbência de reunir todos os associados para receberem em assembléia a
visita do Secretário Estadual de Segurança. No dia marcado as comunidades se
reuniram na sede da associação para esperar o Secretário de Estado. Alguns dos
dirigentes foram até a estação do trem para aguardá-lo. Ao constatar que o
mesmo não havia vindo no trem, retornaram para a sede da associação para
informar aos demais que ali se encontravam. Estávamos ainda discutindo o não
comparecimento do secretário de segurança quando avistamos na estrada um
batalhão da polícia militar, 28 soldados, um cabo e um tenente. Chegaram à
porta da sede da associação e perguntaram: “quem é o presidente desta merda?
Respondemos, não temos presidente! Todo mundo muito assustado. Aí eles
disseram: há, não tem presidente, então todo mundo é presidente! Começaram a
atirar da parte de cima da parede e foram baixando, quando as balas atingiram o
piso da casa já haviam matado sete pessoas da comunidade, todas pessoas jovens.
Mais uma vez escapei e testemunhei a nova chacina contra camponeses que lutavam
pelo direito de ter um pedaço de terra para morar, trabalhar e viver
comunitariamente. Minha revolta só aumentava frente a tamanha brutalidade
contra nós camponeses, agora praticada pelo próprio estado. Além dos mortos
outros ficaram gravemente feridos, a exemplo do companheiro José Bonifácio que
teve um braço decepado por um balaço.
Depois de
presenciar esses dois horrendos episódios de violência extrema contra nós
camponeses do Maranhão eu estava acometido de uma tremenda revolta. Foi quando
fui convidado pelo pessoal do MEB (Movimento de Educação de Base) para
participar de um curso sobre sindicalismo rural. Foi neste curso que comecei a
entender o significado da violência praticada contra nós camponeses como o
produto de uma sociedade cindida entre duas classes antagônicas: a classe que
trabalha (trabalhadora) e a classe que explora o trabalho (capitalista
patronal). Descobri que não se tratava de luta apenas dos trabalhadores
camponeses, mais dos trabalhadores em geral, do campo e da cidade. Foi aí que
passei a compreender a existência de uma luta sistemática de classes,
independentemente se temos ou não consciência da sua existência. Fui adquirindo
e assumindo minha identidade de trabalhador camponês e minha revolta foi se
transformando em consciência de classe. Daí passei a ter uma atuação mais
direcionada e comecei a me dedicar na construção de instrumentos de organização
da classe trabalhadora, na perspectiva de nos empoderarmos contra as várias
formas de repressão e dominação impostas a nós pela classe capitalista.
Foi a partir dessa nova visão que
progressivamente fui adquirindo, que passei a ter uma atuação mais qualificada
do ponto de vista da consciência de classe, e me integrando em várias frentes de
trabalho e ação social. Fomos organizando associações nas comunidades e
também desenvolvendo um trabalho de combate ao analfabetismo que era extremo no
meio rural. Como resultado desse processo de animação, formação e organização
comunitária fundamos, em agosto de 1963, o primeiro Sindicato de Trabalhadores
e Trabalhadoras Rurais do Maranhão, no município de Pindaré Mirim. A partir de
então passamos a fazer uma luta mais unificada pelo direito à terra e em defesa
das roças e produções agrícolas dos camponeses, as quais eram constantemente
invadidas e destruída pelo gado dos fazendeiros. Começamos a cobrar indenização
pelos prejuízos e que o gado fosse criado preso nas propriedades dos
fazendeiros. Estas lutas foram consideradas uma afronta aos latifundiários, que
passaram a ameaçar o sindicato e seus dirigentes. O clima social e político no
campo maranhense permaneceu muito pesado nos anos que se seguiram à fundação do
sindicato. Em âmbito nacional ocorreu logo no início de 1964 o Golpe Militar.
Nesse período os movimentos e organizações sociais da classe trabalhadora
estavam com bom nível de organização, boa capacidade de mobilização e ação articulada.
As lutas camponesas que acontecia no Estado do Maranhão, principalmente em prol
da reforma agrária, já se integravam às demais lutas que vinham se fortalecendo
em todo o Brasil. Mesmo já sob o governo da ditadura militar, continuamos
nossas lutas no Maranhão. Em 1965 um Jovem aguerrido de nome José Sarney, se
lança candidato ao governo do Estado do Maranhão, tendo como principal bandeira
de sua campanha a realização da reforma agrária, caso fosse eleito. E mais,
prometia que sob seu governo os fazendeiros teriam que criar o gado preso em
cercado e ainda seriam obrigados a indenizar os prejuízos causados aos
camponeses que tiveram suas roças invadidas. Nós camponeses ficamos
maravilhados com a coragem e determinação apresentado pelo entusiasta candidato.
Cairmos com tudo em sua campanha. Resultado, o homem foi eleito com uma votação
estrondosa.
Prá encurtar este breve relato,
em 13 de julho de 1968, nós estávamos reunidos no nosso sindicato com uma
multidão de homens e mulheres que vieram receber atendimento à saúde por meio de
um médico (Dr. João Bosco) que o sindicato havia contratado. Nesse dia fomos
atacados por um grupo de policiais que chegaram atirando e aterrorizando as
pessoas que ali se encontravam. Eu recebi um balaço em minha perna direita e
fui aprisionado pela polícia. Fiquei jogado durante 6 dias na cadeia do
município, sem qualquer tratamento no ferimento sofrido. Quando finalmente
recebi um tratamento, após ser encaminhado para a Capital São Luis, minha perna
já estava gangrenada e teve que ser amputada. Foi assim que fui mutilado por
uma ação direta das forças repressiva do estado do Maranhão, que era governado
por José Sarney, que já havia aderido ao regime militar.
Mas continuamos fazendo a luta
por liberdade de expressão e por reforma agrária e vida digna para nós
camponeses, agora já integrando um movimento maior em âmbito de Brasil, de
resistência à ditadura militar. A perseguição às nossas organizações e
lideranças era cada vez maior. Em 2 de janeiro de 1972 eu fui preso pela terceira
vez pelo regime militar. Eu me encontrava em um povoado chamado São José do
Tufí, região do Pindaré, hoje é o município de Tufilândia. Fui levado para o
DEOPS de São Luis. Lá fiquei preso por volta de um mês até que fui seqüestrado,
com os olhos vendados, por agentes do DOI-CODI, às 4 horas da madrugada e
colocado em avião. Só vim ter noção do meu paradeiro quando fui entregue ao
Comando do I Exército no Estado do Rio de Janeiro e levado para o quartel no
bairro da Tijuca. Nessa prisão fui barbaramente torturado. Logo que cheguei,
arrancaram minha perna mecânica e minhas roupas e fui colocado nu em uma cela
chamada geladeira. Ali permaneci durante 8 meses, só recebia pão e água como
alimento. Defecava e urinava no mesmo local em que ficava, pois não havia
privada e o local era muito apertado. Dalí só saía quando era
levado para interrogatório sob tortura, numa sala à prova de som. Fui
inicialmente torturado numa tal “cadeira de dragão”, que é uma cadeira de ferro
com braços, na qual eu era amarrado e pendurado de cabeça para baixo
encapuzado, recebendo pancadas de cassetete e choque elétrico nos órgãos
genitais até que perdia os sentidos e desmaiava. Às vezes as torturas eram à
base de palmatória, murros, pontapés e até golpes de caratê. Em uma dessas
sessões, nu e sem a perna mecânica caí de queixo e fraturei o maxilar. Num tal
dia fui levado de carro para um local onde tinha uma espécie de piscina, onde
me amarraram com os braços atado às pernas, tipo um porco, e jogaram-me na água
umas três vezes, só puxavam na corda quando eu já estava quase desfalecendo.
Nesse mesmo local fui colocado amarrado em um poste com os braços algemados,
sem a perna mecânica. Ali fui novamente brutalmente espancado durante horas. Ao
sair dali eu estava um verdadeiro trapo humano, totalmente roxo e desfigurado.
Levaram-me para o hospital onde me deram banho de gelo. Logo que apresentei
melhora recomeçaram as sessões de torturas com os mesmos métodos de violência
física e psicológica. Tudo isso foi muito cruel e marcante, mas nada se compara
com a violência que ainda viria a sofrer. Como os cheques e pancadas não
fizeram eu delatar os companheiros e companheiras também procurados, os
torturadores resolveram aumentar meu sofrimento. Primeiramente pregaram meu
pênis, com prego mesmo, em uma mesa, e depois com uma espécie de agulha grande
fincavam meu saco escrotal. Era de fato, uma dor insuportável e impossível de
ser imaginada, só mesmo sentida.
Além das torturas físicas e
psicológicas rotineiras, umas três vezes fui levado de avião para sobrevoar
algum lugar que eu não sabia onde, pois estava sempre encapuzado. Primeiramente
faziam as torturas psicológicas dizendo que me jogariam no mar para ser
devorado por tubarões, outras vezes diziam que estavam sobrevoando a floresta
amazônica e que iriam me jogar às onças. Algumas vezes fui jogado do avião
pendurado por uma corda em uma água que não sei do que se tratava.
Do ponto de vista dos danos
morais muitas foram as difamações sofridas, muitas estórias foram ditas,
escritas e difundidas a meu respeito. Vou destacar apenas a que tenho prova
material. Trata-se de uma matéria, “O HOMEM DA PERNA DE PEQUIM”, da revista O
CRUZEIRO, de 11-10-1972, reportagem de Claudio Rocha. Nessa matéria fui taxado de
“PROFISSIONAL DO TERROR”. Em um dos tópicos, intitulado “SUA VIDA DE CRIMES”,
pode lê-se: “Seu currículun vita é uma escalada de crimes.
Desenvolveu atividades subversivas no vale do Pindaré, no Maranhão, a partir de
1962. Pregava abertamente a solução dos problemas sociais por intermédio da
violência e do crime. Fez-se líder dos descontentes, mostrando-lhes o caminho
errado. Arregimentou bandos armados para pilhagem, sob ideológica do terror.
(...) Fez curso de guerrilha no nordeste. E foi então que espalhou a morte e o
saque no sertão maranhense, equipado com as técnicas importadas. Exterminava
homens, animais, plantações. Assassinava a sangue frio.”
Pois bem, nobres senhores e
senhoras, esse foi o currículun a mim atribuído pelos meus perseguidores
através dos seus veículos de comunicação. Essa foi a imagem que grande parte da
sociedade brasileira recebeu de minha pessoa, meus parentes, filhos e
conterrâneos. É evidente que ninguém iria querer aproximação com uma figura
monstruosa e sanguinária como a que me pintavam. Mas a grande verdade é que eu
tive minha vida totalmente devassada, investigada minuciosamente pelo sistema de
inteligência do regime militar e nunca apresentaram uma prova sequer das
acusações e difamações a mim imputadas pela ditadura militar. Por conta de
todas essas torturas, da mutilação sofrida, das privações impostas e do
sofrimento e condições inumanas a mim impostas pelo Estado sob regime militar,
estou processando o Estado brasileiro. O processo já tramita na justiça a mais de
seis anos e até o momento não tive a atenção da Justiça quanto à reparação dos
graves danos que o Estado causou a mim e à minha família. Não que haja qualquer
forma de reparação às várias violências físicas, psicológicas e morais
sofridas, mas penso que um Estado enquanto ente maior de representação de uma
nação não pode isentar-se das suas responsabilidades.
Finalmente, quero aproveitar o
ensejo para agradecer de coração e alma às pessoas e entidades que foram
responsáveis pela salvação de minha vida dos porões da ditadura militar. Presto
aqui minha homenagem à Anistia Internacional, que fez uma imensa campanha
mundial pela minha vida e liberdade; às igrejas católicas e evangélicas que
também se manifestaram em minha defesa, sobretudo através da atuação do
Conselho Mundial das Igrejas, sediado na Genebra-Suíça; à Liga Suíça de Defesa
dos Direitos Humanos, também sediada em Genebra; à Organização
Internacional do Trabalho-OIT; à rádio BBC de Londres, que difundiu ampla
campanha em prol de minha libertação; ao Partido do Trabalho da Albânia, que na
época denunciou as torturas e cobrou providências do governo brasileiro pela
minha vida. Também quero agradecer toda a solidariedade que tive da
companheirada e das organizações progressistas que, apesar das perseguições,
atuavam bravamente no território brasileiro para salvar as vidas dos
perseguidos pelo governo militar.
Agradeço com muito amor e carinho
à honrosa atenção dos Senhores e das Senhoras. Reafirmo a minha esperança na
construção de um mundo humanamente solidário, economicamente justo e
efetivamente democrático com o progressivo empoderamento da Classe
Trabalhadora. Estou disposto a continuar a nossa luta, se necessário,
recomeçaremos tudo de novo.
Brasília-DF, 16 de Maio de 2012.
Manoel Conceição Santos
3 comentários:
É sempre um prazer enorme ver as palavras deste grande Homem, és um "Grande Líder e Companheiro de Luta!" Tens um pensamento nobre e ações revolucionárias... deixando sua história de bons exemplos, para o Maranhão, Brasil e o mundo.
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